às 01h10.
O futebol se tornou um espaço onde as leis que se aplicam a todos os outros cidadãos podem ser ignoradas. Racismo, segundo a Constituição Federal, aquele conjunto de leis que rege o Brasil, constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão. Danilo, o zagueiro racista que o Palmeiras acha interessante ter em campo vestindo sua camisa, jogou em Curitiba, uma semana depois de ter chamado o zagueiro Manoel, do Atlético, de “macaco do caralho”. A cena, para que não sobre nenhuma dúvida, foi captada pelas câmeras e microfones de quase todas as emissoras.
Danilo e Manoel ainda serão julgados pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Como Manoel deu uma pisada em Danilo – que cuspiu em Manoel – pode até receber uma pena maior que o racista. Não seria surpresa em um país no qual o futebol é usado para lavar dinheiro de mafiosos e grandes eventos como o Panamericano do Rio de Janeiro, em 2007, custam 10 vezes mais que o previsto. Incompetentes e corruptos responsáveis pelos resultados, em vez de serem punidos, foram premiados com uma chance de roubar mais em 2016.
Falar de Danilo não me interessa mais. Como bem definiu o colunista José Ilan em seu blog, o zagueiro racista do Palmeiras talvez nem se encaixe na categoria “ser humano”. Eu quero falar da repercussão dessa história toda na imprensa e o que lições podemos tirar disso.
A imprensa paulista impressa se comportou muito mal na história toda. Nenhum jornal deu destaque suficiente em suas manchetes para o caso. Todas as chamadas principais exaltaram a vitória do Palmeiras no dia seguinte. Às 22h46 do dia 15, data do primeiro jogo, a ESPN Brasil já havia colocado em seu site o vídeo em que é possível escutar claramente o xingamento racista de Danilo, se é que os repórteres que estavam no estádio já não haviam apurado a história toda.
Mas, na hierarquia jornalística dos editores dos jornais de esportes paulistas, era mais importante o resultado de uma rodada de oitavas-de-final da Copa do Brasil do que o racismo presenciado em campo. O Lance! Apareceu com uma manchete nojenta “TAMO JUNTO”, enquanto o Diário de São Paulo e o Estadão exaltaram Robert, autor do gol da vitória palmeirense. A Folha de S. Paulo deu destaque para o que chamou de “acusação” de Manoel, sem confirmar o xingamento. Repito, o vídeo da ESPN estava no ar desde às 22h46. Mesmo com a evidência em vídeo, no dia seguinte, sites como o GloboEsporte.com conseguiram publicar a notícia com o vídeo do xingamento incluído na matéria, mas ainda sob o título “Manoel ACUSA adversário de racismo”. A imprensa, veloz em decretar culpas sem provas, com as provas em mãos se recusou a enxergar a óbvia culpa de Danilo.
Talvez seja o reflexo de uma profissão onde os negros não têm vez. Visite qualquer redação de jornal, revista ou site no Brasil. Não encontrará nenhum negro. Um ou dois, no máximo, mesmo nas maiores empresas. Não é de se admirar, já que somente 1,3% dos alunos da principal universidade do País, a USP, são negros. Talvez essa seja uma porcentagem até acima da média da maioria das redações.
O resultado é uma imprensa esportiva que, no mínimo, tanta colocar panos quentes sobre o assunto. Suspeito que seja medo ou falta de capacidade dos profissionais da área. É notória a falta de formação dos jornalistas esportivos, que em geral leem pouco, escrevem mal, e não têm condições de debater com algum tipo de coerência temas que fujam ao trivial de futilidades futebolísticas aos quais estão acostumados. Hoje, o papel do jornalista esportivo é parecido com o de um animador de auditório. Fazem tudo em nome do espetáculo. Então, o negócio é varrer para baixo do tapete questões incômodas como um jogador chamando o outro de “MACACO DO CARALHO”.
Carlos Eduardo Lino, comentarista da SporTV escalado para o jogo de ontem à noite em Curitiba, fez o que pôde para minimizar o caso. Antes dos times se cumprimentarem, disse que era uma chance para a reconciliação, para o perdão, e outras palavras que davam a impressão de que tudo não passava de birra de Manoel, que ele devia logo desculpar o racista Danilo e esquecer tudo, como se fosse um incidente menor, uma bobagem.
Quando Manoel passou reto por Danilo, que sequer estendeu a mão para ser cumprimentado, ficou indignado, e lamentou o que chamou de “chance perdida”. Para ele, o racismo pode ser resolvido com um aperto de mão. Então todos dormiríamos felizes com a democracia racial brasileira. Uma democracia que funciona só para quem, como Carlos Eduardo Lino e a maioria da imprensa que tem dinheiro para pagar um faculdade de jornalismo, tem a pele branca.